sexta-feira, 26 de junho de 2009

A Serenata


A serenata

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
De que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Sopro de Adélia Prado

Canção do Caminho



Canção do Caminho -


Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.

O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.

Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço!

Ah! Mas logo ali adiante
- tão perto! –
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.

(Isso são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)

*** Cecília Meireles

Viagem ao Vento


Se pudesse ser o vento, viajaria agora ao teu encontro. Te buscava por todos os cantos. E ao te encontrar, acariciava teu rosto com leve brisa, depois, mais forte, atravessava tuas vestes, para alcançar tua pele, e deixar em ti, o frio da minha ausência. Só então seguiria viagem, Até adormecer solitária em qualquer (c)(m)anto.

Ophelia - John William Waterhouse - 1905

Enquanto Maio...Poesia



***
I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento
Um sol de diamante alimentando o ventre.
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jugo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.


[Prelúdios - intensos para os desmemoriados do amor – Poema I- Enquanto Maio...Poesia de Hilda Hilst}

VERTIGEM EM SONHO...



***

Sentada, em algum lugar qualquer, a sensação que tenho é que a luz vai findar, o som da música irá sumir e todos os sentidos desaparecerão. A queda é inevitável, o abismo é profundo e toma o corpo desprevenido. Assim, flutuo numa descida vertical.

Resisto à queda tensionando meus músculos, deixando em alerta meus sentidos. Passado o primeiro momento de surpresa, relaxo e me deixo levar pela leveza do vácuo e pelo inusitado da situação. Aproveito a viagem em queda livre e ouso lembrar de ti, sentindo tua presença ao meu lado. Logo, tua imagem é física e sinto teus abraços e o carinho que me toca em ondas, vejo teu rosto que me sorri e teu corpo que se oferece ao meu. O voo segue, e é uma espécie de desmaio o que sinto, só não distingo se é da queda ou do cheiro que se desprende do teu corpo que me acompanha nessa alucinante vertigem.

Não se diferencia mais prazer e medo. Meu cérebro só registra teu cheiro e teu calor. Há em mim um prazer inusitado, sem medida e navego no ar. A queda diminui até estancar definitivamente e tenho a certeza que isso não foi ilusão. Mas minhas pálpebras se abrem buscando ao redor sinais de ti e da tua perplexidade, ao olhar meus olhos iluminados da viagem e úmidos por saber que os sonhos nem sempre são possíveis (de realizar!)...

DEPRESSA,UMA NAVE VEM SURGINDO



Depressa!
Uma nave vem surgindo!
Naquela seta, ou será naquela árvore?
...
Não é uma nave.
é uma Lua, um satélite,
um Ser Órfão em busca de companhia.
...
Me dá teu brilho
e me entrego por ti.
Sou nave no céu da tua existência.
Céu infinitamente azul ou negro.
A cor não importa, face prata,
corrida, procura, desilusão.
...
Também sou só,
Me encontro, te cobre,
Me alimenta.
...
Um Deus, um Poeta,
que espreita teu corpo,
Se lava no meu,
Se compadece e endoidece.
...
Na tua imagem me envaideço
Te capturo, e presa, sonhas
os sonhos de todos, comigo,
em mim.
Mas te liberto, não sufoco teu brilho.
Te liberto para alcançar minha liberdade,
meu desejo.
...
Encontrarás um Sol,
e me trarás um Astro.
De longe te encontro, por fases,
por ciclos.
No cosmo, um amor completo,
irreal e brilhante.
Navego sempre, contigo,
em ti,

a nave,
o abrigo estelar...

***